No centro do Cairo, o Rio Nilo, um dos cursos d'água mais emblemáticos do mundo, moldou o destino da civilização por milhares de anos. Servindo como uma vibrante linha de vida, conectando bairros e fomentando um agitado centro de transporte, o Rio Nilo é um recurso natural essencial para o árido Egito. Ao longo da história do país, ele foi considerado fonte de vida e fertilidade em suas enchentes anuais, trazendo riqueza para as terras ao redor. Na edição deste ano da Bienal de Arquitetura de Veneza, o Pavilhão do Egito "NiLab" focou em explorar esta fonte de água e seus efeitos no ambiente construído.
Historicamente, desde o Antigo Egito, o Rio Nilo tem sido um ótimo local para o crescimento de cidades. Seu fornecimento constante e confiável de água foi crucial no ambiente desértico. Ao construir perto do rio, as pessoas tinham fácil acesso à água para beber e para irrigação, essencial para sustentar a vida e cultivar safras. As margens férteis do rio, enriquecidas por depósitos de sedimentos ricos em nutrientes, forneceram condições ideais para a agricultura, servindo como a base da economia egípcia e garantindo a segurança alimentar da população. Hoje, o Nilo continua sendo principal fonte de água potável para todos os egípcios e fornece dois terços dos alimentos do país. Além disso, o rio possui uma profunda importância cultural, inspirando expressões artísticas em várias formas, e está entrelaçado no tecido da paisagem urbana e emocional do Cairo.
Ao longo do tempo, a maioria dos bairros mais antigos e densos do Cairo se desenvolveram nas margens do Rio Nilo. Na época do Antigo Egito, casas tradicionais foram construídas usando materiais disponíveis localmente, como tijolos de lama, formados pela combinação de lama das margens do rio, palha e água. Além disso, vários templos e marcos foram construídos ao longo do rio. Mais notavelmente, as Grandes Pirâmides de Gizé, situadas nos arredores do Cairo, foram construídas perto da margem oeste do Nilo. Em Luxor, a capital do Egito durante o Novo Reino, o Templo de Karnak e o Templo de Hatshepsut também foram construídos no Nilo.
O Nilo continua sendo parte integrante da narrativa arquitetônica e urbana do Cairo. Sua presença influenciou o crescimento da cidade, moldou seu ambiente construído e contribuiu para sua identidade cultural. Conforme o Cairo continua a evoluir, é essencial reconhecer a importância do Rio Nilo e seu delicado equilíbrio com o desenvolvimento urbano. Preservar essa relação embaraçada é fundamental para manter o charme único do Cairo e honrar a antiga história da conexão romântica do Nilo com o urbanismo da cidade.
Nos séculos XIX e XX, Khedive Ismail Pasha fundou o centro do Cairo, localizado a poucos passos do Nilo. Este centro da cidade, comumente chamado de "West el Balad", visava modernizar o Cairo incorporando princípios de planejamento arquitetônico europeu. A icônica ponte Qasr El Nil, conhecida por suas vistas e por proporcionar a oportunidade de testemunhar a grandiosidade do Nilo, atravessa o comprimento do rio. A influência do rio em seu desenvolvimento permanece evidente. Além disso, estruturas únicas como o Museu Egípcio, a Praça Tahrir e vários prédios governamentais contribuíram ainda mais para a importância do centro da cidade, onde sempre é possível observar o rio.
Seguindo o desenvolvimento do centro do Cairo, áreas agrícolas vizinhas ao longo das margens do rio também passaram por uma transformação em bairros residenciais e comerciais no início do século XX. Zamalek, situada na Ilha Gezira no Nilo, surgiu como um centro movimentado durante a década de 1920. Os estilos arquitetônicos em Zamalek variam do Art Déco ao estilo Neo-Islâmico que se inspira na arquitetura islâmica tradicional. Cercada pelos afluentes do Nilo, Zamalek oferece vistas panorâmicas ao longo de todo o seu perímetro. O calçadão à beira-rio da ilha, conhecido como Corniche, serve como um local cultural, onde as pessoas podem se reunir e desfrutar da beleza e do charme do rio.
Além de Zamalek, a transformação de áreas agrícolas em centros urbanos movimentados tem sido uma tendência comum em todo o Cairo. Com o passar do tempo, a cidade passou por uma urbanização rápida e tornou-se sobrecarregada com superpopulação. Hoje, enfrentando os desafios impostos pelas mudanças climáticas e pela escassez de água, o Rio Nilo já não funciona como antes. Para atender às necessidades urgentes de moradia e infraestrutura, surgiram novas cidades nas regiões desérticas ao redor da capital. Esses "subúrbios desérticos" passaram pelo crescimento urbano e testemunharam a construção de grandes empreendimentos habitacionais. Seu objetivo principal é acomodar a população em expansão e aliviar o congestionamento no centro da cidade. Painéis de publicidade em destaque promovem condomínios nos arredores do Cairo que oferecem uma promessa de fuga do núcleo lotado, apresentando uma vida alternativa a 40 quilômetros da cidade e do Rio Nilo.
Na edição deste ano da Bienal de Veneza, o Pavilhão do Egito apresentou NiLab: Nilo como Laboratório. O pavilhão examina os desafios contemporâneos da cidade, usando o Nilo como pano de fundo para reflexão. “Ao longo do Rio Nilo, várias paisagens e naturezas foram neutralizadas ao longo do tempo através de intervenções que não ouviram o ambiente ou deram voz às culturas locais.” A exposição revela o desequilíbrio territorial no Cairo. Examina o que levou à construção desses subúrbios híbridos da cidade, que estão "em uma condição de não-cidade e deterioração". NiLab sugere que a degradação urbana extrema das últimas décadas no Cairo se deve principalmente à expansão descontrolada para o campo e para o deserto e ao abandono dos centros históricos próximos ao Rio Nilo. Além disso, a exposição apresenta 18 intervenções arquitetônicas locais projetadas para reativar a relação harmoniosa entre o urbanismo egípcio e o Rio Nilo.
Além dos efeitos da expansão de Cairo para o deserto, as recentes decisões do governo transformaram a essência do Rio Nilo. Isso pode ser visto na remoção das casas flutuantes de madeira que ocuparam as margens do rio por séculos. Uma decisão recente do governo local para remover essas estruturas tem colocado em perigo esse patrimônio local, ameaçando o significado histórico e cultural do Nilo. Aproximadamente 30 casas flutuantes serão substituídas por uma faixa de lazer à beira-mar com cafés e estabelecimentos comerciais. Atualmente, a faixa está em construção, refletindo as dinâmicas e prioridades em evolução na cidade.
Em 2015, foi iniciada a construção da "Nova Capital Administrativa", um marco significativo na paisagem urbana do Cairo. Este ambicioso megaprojeto, localizado aproximadamente a 50 quilômetros a leste do Cairo e do Rio Nilo, faz parte do plano estratégico do governo egípcio para aliviar a congestão populacional. No entanto, um aspecto notável é a falta de uma fonte de água local, levando críticos a chamá-lo de "O Anticairo". Para lidar com os desafios causados pela mudança para tão longe da principal fonte de água do Cairo, o governo egípcio está implementando a construção de um "Rio Verde", um oásis artificial em uma nação que luta com escassez de água. Conforme a construção avança, a decisão de desviar o foco do movimentado centro cultural do Cairo no Delta do Nilo levanta questões entre os moradores.
Concluindo, o Rio Nilo foi central na formação do tecido arquitetônico e urbano do Egito, particularmente no Cairo. Foi uma fonte de vida inegável, essencial para o crescimento e desenvolvimento da cidade. Conforme o Cairo evoluiu, a relação entre o Nilo e a cidade também evoluiu. A construção do centro do Cairo e o surgimento de novos centros urbanos ao longo do Nilo demonstraram a influência duradoura do rio no planejamento urbano e na arquitetura. A presença do rio, seja diretamente projetada no tecido urbano ou vista de espaços próximos, moldou a cidade e proporcionou uma sensação de conexão com suas raízes históricas. No entanto, à medida que a cidade continua negligenciando sua importância e seu patrimônio cultural, afastando-se cada vez mais dele, sua viabilidade e importância diminuem rapidamente. A rápida urbanização, a necessidade de infraestrutura e moradia e o impacto das mudanças climáticas levaram ao desenvolvimento de subúrbios no deserto e à construção da Nova Capital Administrativa. Essas iniciativas levantam questões sobre o equilíbrio entre a expansão urbana e a preservação do agitado centro cultural do Cairo no Delta do Nilo. A história do Cairo não pode ser contada sem a do Rio Nilo, e vice-versa.
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